Pedro Fiuza nasceu em mil novecentos e oitenta. Ainda é cedo para qualquer nota biográfica.

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E abriam o corpo as crianças

Dominadas por uma lentidão magnífica astrológica

Um tempo quase insuportável de ignorância

O medo da descoberta a descoberta do medo

Os brinquedos tocados como inimigos inquebráveis

A caça dos escaravelhos o temor abstracto das raparigas

Os putos com os seus jogos vida nas pontas das unhas

Aquelas unhas maquinais cobertas com terra líquida

Noutros olhos de cinza havia grandes lágrimas cristalinas

Os lagos dos pais os crustáceos das mães eram as feridas

Os joelhos e os braços exibiam as cicatrizes das guerras

Guerras sem vergonhas guerras imateriais impúdicas mágicas

O sexo carnívoro das crianças era belo natural

Sem as tensões do mundo e sem a identidade filosófica

O pensamento voava rebelde como os pássaros e voava voava

Rente ao chão como as pedras leves que serviam de bola

Havia também sempre alguns que sangravam da cabeça e do nariz

Viam-se então grandes pensos andarilhos pelos pátios

Era bom ter a mão da mãe não nem sempre era podia ser terrível

Podia mesmo ser tenebroso quando era sobre o rosto

A mão repentina no rosto fraco a lágrima vergonhosa

Escondida nos cantos da cara era sorvida voltava a casa

Havia a sensação frágil e egoísta o querer tudo o ser tudo

A exploração furtiva e rápida dos objectos dos outros

Os colégios sempre austeros dos adultos respeitáveis entre si

Geravam conspirações inocentes na cabeça dos putos

Quem dá hoje chocolates pastilhas doces incríveis anti-sesta

O sono obrigatório o recreio nunca suficiente

As musicas parvas mas parvas porque belas nas bocas

Mais tarde os cadernos metem formas em vez de pinturas

As canetas universais apoderam-se dos dedos surgem letras

Circuitos intransponíveis na sonoridade dos professores

Ancestrais quase inteligentes cheios de brilho até ao medo

Porque eram monstros com a capacidade grotesca do ensino

A luz lá se ia alterando mas era já necessária precisa difícil

Liam-se as legendas de desenhos animados nas manhãs

Desenhos animados eram um nome geral mas sagrado

Os filmes não existiam eram um grande astro de complexidade

Crime era uma palavra estranha lembrava brincadeira

Os palavrões ainda não tinham a banalidade da raiva

Eram sussurrados dizer foda-se merda picha cona

Era dizer amo-te por isso te ensino o que aprendi

As armas fictícias os tiros gritados ilógicos reais

Furavam as paredes de pedra as árvores largas antigas

Tudo era vivido sem memória os amigos surgiam em torrentes

Os namoricos na distância na não importância dos nomes

Quando surge a primavera a masturbação secreta e os sonhos

A criancice vai-se com o seu cheiro característico

Já se podem ver filmes estrangeiros nos cinemas

Acredita-se na liberdade própria na unicidade espiritual

Torna-se obrigatório tornar lenda mito ídolo possível

Dá-se então a troca cíclica do vento das idades

Um carro dos bombeiros é o fumo de um cigarro aceso

O palco do teatro do mundo cria novas canetas velhos livros

Aparecem sombras e fantasmas da altura do nada da idade lente

Parece que se cria uma paralela vida de mentira anseia-se

Escrevem-se coisas tristes e aleatórias sobre a morte longínqua

A humidade bate nos ossos calcinados as doenças são graves

Iguais a ilusões não permitem brincar aos médicos aos padres

Às mães aos pais os avós começam a ir-se para outra

Descobre-se o mundo terrível não se gosta odeia-se

Começa a incompreensão da vida a inutilidade dos trabalhos

Forjam-se traições a perplexidade criminosa já anda

A vida é agora e para sempre um vulcão raivoso

Um combate por alimento pela fruição do corpo pela liberdade

As armas que se criam para defesa são então usadas

Contra os que as criam os homens acabam esquartejados

As mulheres loucas com os cabelos em fogo

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