E abriam o corpo as crianças
Dominadas por uma lentidão magnífica astrológica
Um tempo quase insuportável de ignorância
O medo da descoberta a descoberta do medo
Os brinquedos tocados como inimigos inquebráveis
A caça dos escaravelhos o temor abstracto das raparigas
Os putos com os seus jogos vida nas pontas das unhas
Aquelas unhas maquinais cobertas com terra líquida
Noutros olhos de cinza havia grandes lágrimas cristalinas
Os lagos dos pais os crustáceos das mães eram as feridas
Os joelhos e os braços exibiam as cicatrizes das guerras
Guerras sem vergonhas guerras imateriais impúdicas mágicas
O sexo carnívoro das crianças era belo natural
Sem as tensões do mundo e sem a identidade filosófica
O pensamento voava rebelde como os pássaros e voava voava
Rente ao chão como as pedras leves que serviam de bola
Havia também sempre alguns que sangravam da cabeça e do nariz
Viam-se então grandes pensos andarilhos pelos pátios
Era bom ter a mão da mãe não nem sempre era podia ser terrível
Podia mesmo ser tenebroso quando era sobre o rosto
A mão repentina no rosto fraco a lágrima vergonhosa
Escondida nos cantos da cara era sorvida voltava a casa
Havia a sensação frágil e egoísta o querer tudo o ser tudo
A exploração furtiva e rápida dos objectos dos outros
Os colégios sempre austeros dos adultos respeitáveis entre si
Geravam conspirações inocentes na cabeça dos putos
Quem dá hoje chocolates pastilhas doces incríveis anti-sesta
O sono obrigatório o recreio nunca suficiente
As musicas parvas mas parvas porque belas nas bocas
Mais tarde os cadernos metem formas em vez de pinturas
As canetas universais apoderam-se dos dedos surgem letras
Circuitos intransponíveis na sonoridade dos professores
Ancestrais quase inteligentes cheios de brilho até ao medo
Porque eram monstros com a capacidade grotesca do ensino
A luz lá se ia alterando mas era já necessária precisa difícil
Liam-se as legendas de desenhos animados nas manhãs
Desenhos animados eram um nome geral mas sagrado
Os filmes não existiam eram um grande astro de complexidade
Crime era uma palavra estranha lembrava brincadeira
Os palavrões ainda não tinham a banalidade da raiva
Eram sussurrados dizer foda-se merda picha cona
Era dizer amo-te por isso te ensino o que aprendi
As armas fictícias os tiros gritados ilógicos reais
Furavam as paredes de pedra as árvores largas antigas
Tudo era vivido sem memória os amigos surgiam em torrentes
Os namoricos na distância na não importância dos nomes
Quando surge a primavera a masturbação secreta e os sonhos
A criancice vai-se com o seu cheiro característico
Já se podem ver filmes estrangeiros nos cinemas
Acredita-se na liberdade própria na unicidade espiritual
Torna-se obrigatório tornar lenda mito ídolo possível
Dá-se então a troca cíclica do vento das idades
Um carro dos bombeiros é o fumo de um cigarro aceso
O palco do teatro do mundo cria novas canetas velhos livros
Aparecem sombras e fantasmas da altura do nada da idade lente
Parece que se cria uma paralela vida de mentira anseia-se
Escrevem-se coisas tristes e aleatórias sobre a morte longínqua
A humidade bate nos ossos calcinados as doenças são graves
Iguais a ilusões não permitem brincar aos médicos aos padres
Às mães aos pais os avós começam a ir-se para outra
Descobre-se o mundo terrível não se gosta odeia-se
Começa a incompreensão da vida a inutilidade dos trabalhos
Forjam-se traições a perplexidade criminosa já anda
A vida é agora e para sempre um vulcão raivoso
Um combate por alimento pela fruição do corpo pela liberdade
As armas que se criam para defesa são então usadas
Contra os que as criam os homens acabam esquartejados
As mulheres loucas com os cabelos em fogo
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